top of page
  • Foto do escritorMaria Amaral

"Cozinhar é se conectar, é transformar, é um instrumento de transformação social."


Entrevista com a Chef Mariana Valentini




Às vezes é preciso um empurrãozinho para a vida transformar um destino. E não foi diferente com a chef brasileira Mariana Valentini. Nesta entrevista, Mari compartilha a história de uma carreira profissional com mais de 20 anos, suas viagens internacionais pela Itália e Canadá em busca de conhecimento e aprimoramento, seu carinho e prazer em cozinhar para os clientes, e a sua decisão em seguir a carreira de chef de cozinha.


Mari comenta, que no inicio de sua carreira não se falava em ser chef de cozinha no Brasil. A intenção das famílias era que seus filhos se formassem em Direito, Engenharia, Arquitetura ou Medicina. Contudo, sendo filha de um grande suinocultor do centro-oeste brasileiro e também presidente da Associação Brasileira de Criadores de Suínos em Brasília na época, fez com que ela em um primeiro momento, decidisse pela faculdade de Veterinária buscando a especialização em animais de grande porte.


“Era comum passar minhas férias na fazenda de meu pai participando, junto com os veterinários, dos trabalhos no manejo com os animais.”

Começou a buscar pelas suas duas paixões na vida, sua independência pessoal e o prazer em cozinhar. Mesmo se preparando para o vestibular, e não tento a menor ideia de quantas oportunidades essa busca iria lhe proporcionar, Mari continuou e continua até hoje, a aperfeiçoar seu conhecimento e proporcionar oportunidades aos que desejam iniciar nessa área.


Seu primeiro contato com o mundo da Gastronomia foi com o chef brasileiro Fred Frank, que havia conquistado o terceiro lugar no concurso mundial de cozinheiro chamado Bocuse D’Or em Leon, França.


“Nossa, chef de cozinha, como não pensei nisso!”

Ao contatá-lo na intenção de parabenizá-lo pelo prêmio, ele a aconselhou a fazer uma experiência de algumas semanas em uma cozinha de restaurante para vivenciar a rotina na área, antes de realmente entrar no ramo. Uma vez que a rotina é muito diferente da teoria.


Ele comentou com ela: “É um trabalho de praticamente 12 horas diárias, e sempre parecemos ter ido para guerra. O que costumamos ver em fotos de editorias são chefs com a roupa toda branquinha, em um ambiente impecável, e isso não é a realidade do nosso dia a dia.”


Sábio conselho!!!!

Ao mesmo tempo em que continuou se dedicando ao vestibular, foi à busca de oportunidades na área que tanto desejava à Gastronomia. Lembrava que sempre quando abria o jornal, algo levava seu olhar para a chef Carla Pernambuco, proprietária do restaurante Carlota.


Isso é um sinal, vou tentar contatá-la, porque não?”

Resolveu ir ao restaurante Carlota pessoalmente, para entregar a “cartinha colorida” que havia escrito, na intenção de conseguir uma experiência nessa área, antes de tomar uma decisão quanto à profissão. Mas para sua surpresa, quando lá chegou, foi a própria Carla Pernambuco quem a recebeu. Um tanto sem jeito, Mari entregou a carta e sem saber o que falar, devido à tamanha surpresa, gaguejando respondeu a Carla que a carta era sua - antes de sair correndo. Com todos os acontecimentos logo veio a sua mente que havia perdido a oportunidade, e então começou um curso para formação de cozinheiro na escola SENAC, SP. Não teve dúvida, ingressou no curso, e ao mesmo tempo, foi chamada para trabalhar no restaurante Carlota. Com todos os esclarecimentos feitos aos professores do curso e ao Carlota mergulhou em tempo integral para perseguir seus maiores amores.


Foi então, que sua mãe lhe deu a notícia que havia passado no vestibular. Porém, depois de uma semana, ela já estava apaixonada pelo fogão de 16 bocas, pela manteiga de 05 quilos, pelo barulho da cozinha.


“Como me afastar de tudo isso?”

Comunicou à família que não seguiria a carreira de veterinária. Sua família ficou em choque, principalmente seu pai, o qual pensava que teria uma parceira para dar continuidade a sua jornada. Entretanto, com o tempo eles entenderam que ela estava feliz com os estudos e o trabalho. Seus chefes foram reconhecendo o valor de seu trabalho e aos poucos foi sendo convidada para entrevistas.


Após um ano trabalhando no restaurante Carlota buscou por uma especialização e como na época não existia faculdade de Gastronomia buscou pela faculdade de Hotelaria. Ao mesmo tempo, em que continuava trabalhando e cursando a faculdade, procurava novos cursos ligados à área, que pudessem enriquecer seu conhecimento e currículo.


“Foram anos intensos, mas muitos produtivos e gratificantes.”

Foi então que veio à oportunidade de desenvolver um trabalho de consultoria em uma empresa de alimentos e bebidas, onde os chefs são responsáveis pela administração do cardápio de um restaurante. Ela iniciou seu primeiro trabalho nessa área, gerenciando o cardápio no restaurante Café Jornal em São Paulo, vindo depois a ser convidada para assumir o cargo de chef de cozinha, onde ficou por 03 anos. Saindo somente para viajar à Itália, a fim de obter experiência profissional internacionalmente na área. Após dois anos na Itália, foi convidada pelo proprietário do restaurante, La Risotteria Alessandro Segato, a assumir como chef de cozinha de toda a risotteria, localizada em São Paulo.


Para ela, mesmo sendo descendente de italianos onde normalmente todos os assuntos são resolvidos em volta da mesa durante uma boa refeição, jamais imaginava o mundo que existia por trás da porta da cozinha de um restaurante; um mundo de gente, um mundo logístico, ela se encantou.



Primeiras lembranças na cozinha.

Mari Valentini - A lembrança que mais me vem à memória é a de passar as férias na casa da minha tia Dirce, irmã de meu pai, no Uruguai. Ela costumava colocar-me a beira da mesa, e conforme enrolava a massa de nhoque eu ia cortando. Depois, o arroz doce de minha mãe, que por mais que eu tente nunca fica igual. E, mesmo hoje em dia, quando os momentos estão difíceis, costumo ir a casa dela, pedir para fazer arroz doce. É como um código para nós.


Cozinhar é uma forma de se conectar com o agora. Qual é seu maior prazer em cozinhar?

M. V. - Cozinhar uma forma de se conectar, é uma forma de transformação, é um instrumento de transformação social. Sou voluntária em uma ONG e conselheira do local, cujo nome é Chefe Aprendiz. Estou feliz em poder contribuir, de poder direcionar profissionalmente as pessoas mais carentes. Muitos jovens terminam a escola sem um plano profissional, e esse trabalho vem permitindo-lhes ingressar nessa área, e possibilitando também uma experiência profissional. Logo, cozinhar é uma forma de se conectar com o agora, com os outros, transformando a vida dessas pessoas e de suas famílias.


Às vezes temos receio de “perder tempo” se não fica bom… Estar na cozinha, criando e inventando, pede certa tolerância à possibilidade de errar, de não dar certo. Como tem sido essa experiência para você?

M. V. - A chef Andrea Kaufmann, minha amiga, uma vez comentou em um post meu o seguinte:

“amiga nossa primeira vez é sempre a última chance, porque é a primeira vez que a gente faz aquele prato para a pessoa, como também é a última chance que temos para agradar aquela pessoa. Se ela não gostou, ela já não volta mais. Não é tipo, vou dar mais uma chance para ele ou ela. É raro isso.”


Por essa razão, sempre vou achar que posso melhorar. Eu procuro ficar experimentando e vendo onde posso melhorar. Não é procurar defeito, mas sim uma abordagem diferente, para que tudo fique melhor ainda.


Seria como aceitar que não dá para fazer tudo, e aprender a escolher o que é prioritário?

M. V. - Com certeza, pois na cozinha trabalhamos com prioridade. Seria semelhante quando temos que servir a uma mesa de 08 pessoas, temos que começar a fazer o prato que dará mais trabalho, essa é a prioridade. Eu penso que é um grande quebra-cabeça. Eu preciso que os mesmos pratos, da mesma mesa, fiquem prontos mais ou menos juntos. E isso, para pessoa que coordena, não só o chefe da cozinha inteira, mas a pessoa que canta a comanda, a pessoa que está no fogão, seu ajudante, todo mundo precisa estar online, como costumamos falar hoje em dia. As pessoas precisam estar 100% atentas.


Com uma carreira já consolidada, é mais difícil manter aquecida a paixão pela Gastronomia ou, ao contrário, é possível se sentir ainda mais próxima desse sentimento?

M. V. - Mesmo com mais de 20 anos de atuação na área, eu acredito não estar com a carreira consolidada e para mim, a cozinha é um eterno aprendizado. Penso que ainda não cheguei a atingir meu objetivo, e quanto mais estudo mais quero aprender. Mas, durante minha trajetória profissional, vi muitas pessoas desistirem no começo por uma série de razões. Por exemplo, a dedicação que precisamos ter é enorme, a parte financeira é outro ponto importante para a continuidade da profissão, devido à alta carga tributária que temos que assumir. Fui proprietária do restaurante Valentino, onde fui indicada como chef revelação pela revista Prazeres da Mesa. E também fui proprietária do restaurante Bródo, vendido em 2021.


“O que me move na cozinha é a transformação que o alimento tem. Eu acho incrível pegar a farinha e o ovo transformar em massa, depois em pão. É realmente uma química.”

Porém, o que me mantém na área é a transformação que um alimento tem. A farinha e o ovo transformarem-se em massa, depois em pão, é realmente uma química. E também o gosto de poder alimentar as pessoas, o que para mim é uma honra. Cozinho com o mesmo cuidado, que cozinho para minha família.


A dedicação à Gastronomia tem sido gratificante para você?

M. V. - Sim. Continuo amando a minha profissão e não penso em mudar, apesar da jornada intensa, muitas vezes sem horários ou datas certas para estar com aqueles que amo. Mas, hoje em dia, seguindo a área de consultoria e dando aula, já consigo fazer escolhas. A cozinha tem sido capaz de me levar a lugares incríveis, ter a oportunidade de conhecer pessoas incríveis. Isso é o que me encanta e sempre me encantou.


Cozinhar tem a ver com afeto, com memória afetiva. Como isso se conecta com sua história de vida e como tem sido esse movimento na Gastronomia local?

M. V. - Penso que demoramos em valorizar o que é nosso. Até uns cinco anos atrás não se falavam em comida brasileira com o mesmo respeito de hoje. Temos ingredientes brasilerios, que nos proporcionam receitas maravilhosas, por exemplo, a mandioca é algo mágico. Possui uma diversidade de texturas. A tapioca é outro exemplo. Nossos ingredientes e nossa culinária são tipicamente brasileiros.


Um prato favorito.

M. V. - A massa seria um bom exemplo, pois resume muito a transformação do alimento na cozinha e a versatilidade de como poucos ingredientes, conseguem fazer “um mundo” de receitas diferentes.


Que conselho daria para quem pensa ingressar nessa profissão, e quais são seus planos futuros.

M. V. - Aconselharia o mesmo que me aconselharam, fazer uma experiência de 1, 2, ou 3 semanas dentro de uma cozinha de um restaurante, para ter certeza se é isso que deseja.


Planos futuros, lançar meu curso de massas, continuar na área de consultoria e dar continuidade ao meu trabalho na ONG, do qual faço com todo carinho e dedicação.




Comments


bottom of page